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Falsas esperanças

por Carla Hilário Quevedo, em 07.06.11

Como é hábito na família, vejo os filmes em casa quando chegam ao videoclube. Já aqui partilhei que o preço do conforto é ver os filmes com um atraso de pelo menos três meses. Foi assim que este fim-de-semana vi Hereafter, traduzido por «Outra vida», um filme realizado pelo grande Clint Eastwood. Por causa do tema, o Além, e da forma narrativa, com protagonistas em histórias paralelas que acabam por se encontrar, fiquei com a sensação de que Hereafter é o filme mais Woody Allen de Clint Eastwood. No bom sentido, como se costuma dizer. Há uma certa ternura alleniana na lucidez narrativa eastwoodiana. Hereafter não é uma comédia nem um drama. Também não é um filme de mistério, embora o tema seja o mais misterioso da nossa existência: a morte e a possibilidade de vida além dela. O filme não resolve nada, mas, como uma mentira piedosa, alivia a angústia dos que ficam. É um bom filme escrito por um bom argumentista, Peter Morgan; o mesmo de Frost/Nixon e The Queen. O filme estreou pouco antes do tsunami no Japão. Foi retirado do circuito comercial porque podia desanimar a população. Ou talvez, precisamente, porque podia criar falsas esperanças.

 

Publicado na Tabu, Cinco Sentidos, 3-6-11

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publicado às 19:44

Fry e Gaga

por Carla Hilário Quevedo, em 07.06.11

Stephen Fry entrevistou Lady Gaga no Hotel Lanesborough para o Financial Times. Da entrevista destaco três pontos: Madonna, a sua bancarrota pessoal e um comentário a Camille Paglia. A admiração por Madonna, que se adivinhava temas e na exuberância do guarda-roupa (embora Madonna andasse mais tapada), é admitida como uma espécie de devoção. Lady Gaga afirma estar grata sempre que a comparam à grande diva da pop. Mas a sua relação com o dinheiro é bem. Lady Gaga investe o que ganha nos espectáculos e diz que o dinheiro não lhe interessa nada. Um dia faliu porque tinha três milhões de dólares em dívidas e não sabia. Por isso voltou a gravar e a produzir para ganhar dinheiro e assim pagar o que devia. É esta personalidade distraída que também a salva de comentários ofensivos. Camille Paglia, defensora de Madonna até ao dia em que esta se casou, escreveu um artigo desagradável sobre Lady Gaga, acusando-a de ser feia. Onde é que eu já li isto? A resposta foi refrescante: não lera o artigo e não fazia ideia do que Paglia escrevera sobre si. Stephen Fry, com talento e sensibilidade, conta que se arrependeu de o ter mencionado. Há vida além da bolsa no Financial Times. 

 

Publicado na Tabu, Cinco Sentidos, 3-6-11

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publicado às 19:41

Há ir e voltar

por Carla Hilário Quevedo, em 07.06.11

As mulheres sauditas estão a mobilizar-se para conquistar o direito a conduzir. Parece-me bem, mas não estou certa se percebem o que as espera. Não falo dos ortodoxos, que as vão insultar e que as vão obrigar a fazer manobras perigosas. Ter um carro, embora facilite muito a vida, também dá uma série de chatices, além de ser dispendioso. Mas isso é lá com elas. O que me surpreende na iniciativa é estas mulheres acreditarem que assim iniciam a luta pelos seus direitos. Mas será mesmo um começo da liberdade? É por conduzirem que vão passar a ter o fundamental direito ao voto? Que vão poder exigir a eliminação da poligamia? Ou a vestir-se como querem? A luta pelos direitos das mulheres no mundo ocidental durou muitos anos, apesar de não haver nada de especialmente religioso na oposição masculina neste lado do mundo. Suponho que não haverá nada escrito no Corão sobre se a mulher pode ou não conduzir. Mas não é difícil relacionar esta proibição insignificante com a afirmação mais entranhada do islamismo, que sentencia a mulher à inferioridade. Conduzir o carro do marido não me parece grande libertação. Quanto ao direito a serem independentes, isso já me parece muito sério.

 

Publicado na Tabu, Cinco Sentidos, 3-6-11

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publicado às 19:37

Eu hoje acordei assim...

por Carla Hilário Quevedo, em 07.06.11

Catherine Deneuve

 

... a pensar numa apresentação a que assisti sobre rap em que o conferencista, muito giro e cheio de lata, disse que Rapper's Delight é «muito antigo». O que é que uma pessoa faz perante estas palavras tão terrivelmente cruéis? Sobretudo quando passou a semana inteira a ouvir Big Daddy Kane e a lembrar-se de 50 Cent a dizer: «Plus, I got the magic stick». Talvez continuar a ouvir Nate Dogg enquanto faz bordados para fora. Maintain, (maintain), shitty shitty bang bang...»  

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publicado às 08:49