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Os nomes científicos dos animais pré-históricos informam-nos acerca do género e da espécie, que por sua vez referem alguma característica física, como a carapaça natural que tinham os Anquilossauros. Mas a propósito do maior saurópode encontrado na Patagónia vim a saber que foi um paleontólogo americano, Henry Fairfield Osborne, com mais vocação de empresário do que de cientista, que iniciou a moda de dar nomes mais apelativos para chamar a atenção do público. A ele devemos o Tyrannosaurus Rex (rei dos tiranos) ou o Velociraptor (ladrão, de ‘raptor’, veloz). Mais tarde, os nomes passaram a incluir outras referências como o sítio onde foram encontrados ou os nomes dos mecenas das pesquisas. O nome do maior animal de sempre, de 36 toneladas, é Dreadnoughtus Schrani. Schrani pelo mecenas, Adam Schran. E Dreadnoughtus pelo primeiro barco de guerra a vapor fabricado antes da Grande Guerra, “nada a temer”. Porque além de estar extinto era vegetariano.
Publicado na Tabu, Cinco Sentidos, 26-9-14
Qualquer pessoa perguntará a si própria alguma vez na vida se estará a "ser má". É esta capacidade de nos pormos em causa, de termos dúvidas acerca do nosso comportamento, justificadas ou não, que faz de nós pessoas comuns e não monstros; ou como se costuma dizer, psicopatas.
Até há pouco tempo, o psicopata era reconhecido entre a multidão de gente cheia de culpabilidade. Hoje em dia, vários estudos querem fazer-nos crer que os psicopatas fazem parte da nossa vida. Pode ser um membro do conselho de administração, um colega ou o chefe do departamento onde trabalha. Hannibal Lecter, Ted Bundy e outros monstros ficcionados inexistentes ou ficcionados de carne e osso são hoje alguém aparentemente comum, que não mata, só mói. Ou lidera. Há tempos, num programa de televisão, vi com surpresa que um dos maiores investigadores do tema, o neurocientista James Fallon, descobriu que ele próprio tinha as características de um psicopata: obcecado, distante, indiferente aos outros. Só não matava ninguém. Este "pormenor" permitia que vivesse numa espécie de anonimato entre os restantes membros da espécie.
A hipótese de estarmos a conviver com psicopatas não gerou alarme na sociedade, mas um artigo de Melissa Dahl na New York Magazine sobre o que pode ser uma nova patologia perturbou o meu sono. No lado oposto ao da psicopatia, mesmo da psicopatia anónima urbana, chamemos-lhe assim, está o monstro desesperado por ajudar o próximo. Abigail A. Marsh, do Departamento de Psicologia da Universidade de Georgetown, publicou os resultados de um estudo sobre "altruístas extraordinários" numa revista científica. O objecto de estudo é o "antipsicopata", como Marsh lhe chamou, alguém ultrapreocupado com o próximo, extraordinariamente empático e sempre pronto a ajudar o outro, ainda que tenha de pagar um custo elevado por isso. O exemplo perfeito é o dador de rins voluntário, disponível para dar um órgão seu a um estranho que dele precise (não a um familiar nem pessoa próxima, note-se).
Estas pessoas raras (são cerca de 1400 nos Estados Unidos) e, tal como acontece com a maioria dos psicopatas anónimos, não são imediatamente reconhecíveis a não ser por ressonâncias magnéticas. Uma das diferenças entre o psicopata e o seu (aparentemente) oposto é o tamanho da amígdala. A amígdala faz parte do cérebro e "regula" as emoções. Verificou-se que é maior nos altruístas extraordinários e mais pequena nos presidentes de conselhos de administração. Ambos, no entanto, parecem ter uma disfunção parecida, com fins diferentes. Como observou Fallon, o psicopata está viciado em fazer o mal e o dador espontâneo, que não se importa de passar por uma operação invasiva e por uma possível perda de qualidade de vida, está viciado em fazer o bem.
Marsh não aceita a descrição redutora porque o superaltruísta nem sequer se questiona quanto à necessidade de dar um rim a um estranho. Ou seja, o que pratica é um acto de altruísmo, portanto desinteressado. Não tem a percepção da sua generosidade anormal. Dá o rim e acha que é seu dever. Acrescentaria que se trata de uma forma de narcisismo que também consiste em fazer algum mal: a si próprio.
Publicado na edição de fim-de-semana do i, 27/28-9-14
Há dois anos que decorrem as escavações em Anfípolis, a poucos quilómetros de Salónica, mas só em Agosto deste ano os rumores apontaram para uma possibilidade incrível: será neste túmulo datado de 325-300 a.C. que está sepultado Alexandre Magno? Recebi a probabilidade com cepticismo. Pelo que sabemos, que é pouco, Alexandre terá morrido envenenado ou de doença no seu regresso para a Macedónia. A tese que conheço melhor indica que terá sido sepultado em Alexandria, no Egipto, mas o local nunca foi encontrado. Há dias, duas cariátides, figuras femininas esculpidas em colunas de pedra, foram encontradas em Anfípolis. As figuras de 1,20 m estão na segunda entrada para um túmulo de grandes dimensões, digno de um grande general. Sabemos que o pai de Alexandre, Filipe da Macedónia, não está lá dentro. O seu túmulo foi encontrado na década de 70. Fica em Vergina, no norte da Grécia. Mas pode estar a mãe de Alexandre, Olímpia. Aguardemos com excitação.
Publicado na Tabu, Cinco Sentidos, 12-9-14
Née Deborah Vivien Freeman-Mitord, "Debo" escreveu à sua irmã Diana, a 13 de Agosto de 1957, sobre a impressão que teve de Lucian Freud: "Lucian Freud came for the weekend, he seems very nice and not at all wicked, but I'm always wrong about that kind of thing." Em 1961, com o retrato já terminado, Deborah escreve à sua irmã Nancy: "Dear little Lu's likeness of me is nearly done. I think it's marvellous. (...) Lu was mixing up paint the other day, got excited & said 'look this is just the colour of your hair'. I looked, & saw a cow pat with silver in it". ♥
O Papa Francisco celebrou 20 casamentos no domingo passado. Não seria notícia se tivesse sido apenas isso. A singularidade do acto deve-se a alguns casais já viverem juntos e alguns até já terem filhos. Como se sabe, a Igreja Católica condena ambas as condições, mas a habitual atitude do Papa de mostrar o que quer da Igreja através de exemplos em vez de fazer declarações solenes é eficaz. A tolerância e a compreensão não se decretam, praticam-se. É, no entanto, importante não ver estes actos públicos como testemunhos de ruptura. Li no The New York Times que a posição de Francisco contrastava com as declarações de Bento XVI, que chamava a atenção para as ameaças à família tradicional que minavam o futuro da humanidade. Não vejo oposição entre ambos. O que Francisco está a fazer é pelo contrário fortalecer a família tradicional, ultrapassando obstáculos obsoletos e arbitrários que a limitavam. Não ver esta continuidade profunda é não ver nada.
Publicado na Tabu, Cinco Sentidos, 19-9-14
... estrearam várias séries de merda, pardon my French. Uma coisa chamada Motive, outra, delirante, chamada Extant, com a Halle Berry, mais uma chamada The Leftovers, que ao terceiro episódio ainda não se fez entender. Estreou também Silicon Valley, engraçada, mas entediante como são as histórias protagonizadas por nerds: tudo aquilo tem o limite do nerd, coitado, confrontado com a normalidade que não é capaz de entender. Cansou ao segundo episódio. Resta a segunda temporada de The Bridge, que é excelente e que tem a Franka Potente a fazer de vilã. Mas a verdade é que não ando com disposição para o homicídio. Masters of Sex destaca-se muitíssimo de todas as séries em exibição neste momento. Está cada vez melhor, mais densa, mais delicada. Estamos na fase em que a medicina não é capaz de responder aos problemas, não tem sequer a linguagem necessária para começar a abordá-los. Entra o psicólogo. Mas o problema na terapia é a imprevisibilidade das consequências. Virginia acha que se pode substituir a uma paciente com um trauma de infância e conta ao terapeuta o que aconteceu como se tivesse sido ela, Virginia, a protagonista. Virginia percebe a importância disto no tratamento porque sabe que o sexo está na cabeça, coisa que Masters não quer admitir. Virginia pensa que a terapia consiste numa série de conselhos que depois de adoptados resultam numa cura instantânea, e é por isso irrelevante quem conta a história. Mas as pessoas, lá está, não são todas iguais.
“A Escócia rejeita esmagadoramente a independência” era o título do Telegraph que assim declarava a vitória do Não no referendo de 18 de Setembro que decidiria se a Escócia continuaria ou não a fazer parte do Reino Unido. A campanha pelo Não, liderada por Alistair Darling, um nome que lembra o Captain Darling de Blackadder (“Last person I called ‘darling’ was pregnant 30 seconds later” é uma frase que recordo desta extraordinária série de humor), venceu por uma margem de dez pontos: 55,3% contra os 44,7% do Sim.
O resultado exprime a derrota não apenas do Sim, cuja campanha foi liderada pelo ministro escocês Alex Salmond como também das sondagens, que não chegaram a conseguir reflectir o que muitos intuíam: que o Sim dificilmente conseguiria vencer, mas que o referendo seria um teste importante à participação dos eleitores sobre uma questão que está longe de ser nova.
Há mais de vinte anos que ouço falar sobre a independência da Escócia. Os cinco independentistas da minha família são persuasivos e sou emocionalmente influenciada pelos seus argumentos. Ouço-os ab imo pectore, de coração aberto. Ajuda, claro, que prefira em abstracto a independência à dependência, por muito que a autonomia custe, por muito que seja mais difícil ter liberdade de escolha do que deixar as decisões nas mãos de outros. E de que serve a isenção num tema que provou ser visceralmente emotivo? Até a Rainha Isabel II fez saber que estava “horrorizada” com a possibilidade de a Escócia deixar de fazer parte do Reino Unido. Penso que pela primeira vez assistimos à expressão pública de uma emoção tão forte por parte da realeza britânica, o que reforça a minha posição: o referendo sobre a independência da Escócia tem razões económicas mas é também um processo afectivo aproveitado pelos políticos.
David Cameron defendeu o Não com apelos a que a Escócia ficasse, “stay in the UK”, como um marido destroçado com a ideia da partida da mulher com quem foi casado durante 307 anos. Cameron repetiu que ficaria “de coração partido” e que seria “um divórcio doloroso” se o Sim ganhasse. Gordon Brown, dois dias depois da sondagem que dava uma vitória do Sim, garantiu um reforço de poderes à Escócia, incluindo taxas de juros mais favoráveis de apoio à economia e, na recta final, fez um apelo desesperado ao coração: “A Escócia não pertence aos políticos nem às campanhas; a Escócia pertence a todos nós”.
Um primeiro debate fraco de Alex Salmond, dúvidas sobre a moeda a adoptar e sobre a entrada da Escócia na União Europeia, sinais de perturbação nas bolsas e baixa da libra esterlina e a ameaça de bancos saírem da Escócia se o resultado fosse favorável ao Sim terão conseguido incutir o medo nos indecisos.
A independência traz incerteza. Ter medo da incerteza implica negar à partida o que de bom o futuro pode trazer. A preferência pelo que é familiar é tão natural quanto tantas vezes limitativa. Seja como for, parabéns à Escócia pela extraordinária força com que se bateu pelo que acredita, tanto de um lado como do outro. Todo o meu amor e respeito pela dignidade que nos mostrou.
Publicado na edição de fim-de-semana do i, 20/21-9-14
The Grand Budapest Hotel (Ralph Fiennes excelente, grande filme).
Penso que os portugueses aceitariam o pessimismo como característica nacional predominante. Mas para surpresa de muitos, devo anunciar que não somos o povo mais pessimista do mundo. Estar à espera do pior, lidar com a dor imaginária ou real, lembrar os piores dias da nossa vida e esquecer depressa o dia de ontem, quando tudo correu às mil maravilhas, não são provas da nossa portugalidade mas da nossa humanidade. Jacob Burak, na Aeon Magazine, afirma que estamos preparados para sentir a dor, mas não para a ausência dela. Esta capacidade para encontrarmos a natureza negativa da realidade pode ser uma defesa inconsciente e também uma forma de derrotismo ou resignação dócil a este vale de lágrimas em que fomos condenados a viver. A solução é simples mas de difícil execução: convencermo-nos de que nem tudo é tão mau como parece e que nem tudo acaba inevitavelmente por melhorar. Aceitemos, por fim, que o optimismo é na verdade uma perturbação mental.
Publicado na Tabu, Cinco Sentidos, 12-9-14