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por Carla Hilário Quevedo, em 06.05.04
Cuidadinho com as palavras é preciso



Nas minhas primeiras semanas de vida na Grécia, fiz uma viagem pelo Peloponeso. Sabia pouco mais que o alfabeto e entretinha-me a juntar algumas letras que via escritas em fachadas ou em cartazes e a adivinhar o sentido da palavras. Aprendia a ler e a escrever naquela língua muito estranha e, ao mesmo tempo, tão familiar. Ouvia o que as pessoas diziam, tentava pedir um ou outro prato nos restaurantes e ia fixando aqueles de que mais gostava, como uns feijões grandes (fassolia yigantes) de entrada ou uma carne estufada com cebolinhas (stifado moschari), ambos pratos típicos dos quais - posso dizê-lo - tenho saudades. Aprendia uma ou outra asneira para provocar a confusão em situações sociais interessantes e percebia aos poucos que estava num país muito peculiar. Por causa da minha tentativa em aprender grego e do meu entusiasmo sempre que aprendia qualquer coisa nova, era recebida com muita simpatia e imenso carinho. Os gregos, de violentos e agressivos, passavam a cordeirinhos quando me viam de caneta e papel em punho, cheia de dúvidas e de perguntas. Além disso, não era americana, nem alemã, nem inglesa, nem francesa. Era portuguesa, morena do sul como eles, amante de sol e de boa comida, hedonista e curiosa. Julgo que foi a curiosidade que me manteve naquele país durante algum tempo. Mas a história que quero contar é outra.



Nas minhas primeiras semanas de vida na Grécia, fiz uma viagem pelo Peloponeso. Parámos numa aldeia recôndita, onde havia um restaurantezinho e três ou quatro casitas e decidimos almoçar (coisa que poucos gregos fazem). Não havia ninguém a não ser a dona do restaurante e nós. Tentava seguir a conversa em grego e percebia uma ou outra palavra. De repente, ouvi a senhora dizer "aima". Levantei a cabeça e disse: "Aima? Does it mean blood?" A senhora respondeu que sim e foi-se embora. Não sabia o que dizer. Não pensei sequer em perguntar por que razão tinha dito aquilo. Só pensava como poderia aquela mulher humilde saber aquela palavra extrordinária. Era grega, era naturalmente a resposta à minha estúpida pergunta. Nunca mais me esqueci deste episódio. Fiquei naquele país mais uns anos por causa disto.

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publicado às 12:01