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Ameaça ou Primeira Emenda?

por Carla Hilário Quevedo, em 07.12.14

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 App Hipstamatic com lente Jane e rolo Blanko 

 

O tema não é novo mas há mudanças no modo como a liberdade de expressão está a ser tratada nos meios online, nomeadamente nas redes sociais Facebook e Twitter. Tentativas de controlar o discurso de ódio ou ameaças online sobretudo dirigidas a mulheres estão na ordem do dia e o Twitter já desenvolveu mecanismos de denúncia para casos destes. Um exemplo desta preocupação é o processo judicial que está neste momento a decorrer nos Estados Unidos e que começou com uma ameaça publicada no Facebook.

 

O Supremo Tribunal de Justiça americano terá de decidir se Anthony Elonis, condenado a quatro anos de prisão por ter escrito vários posts ameaçadores no Facebook, um dos quais em que se referia a matar crianças numa escola, atentou contra a lei ao fazê-lo ou não. Os advogados defendem que não, porque Elonis estava muito perturbado com a separação da mulher, que o tinha abandonado após sete anos de casamento, levando os dois filhos de ambos com ela. Escrever no Facebook era uma maneira que o marido abandonado tinha de lidar com a frustração. O governo americano, felizmente, tem uma opinião diferente do caso e não está particularmente interessado no estado de alma de Elonis quando escreveu o que escreveu. A intenção está expressa na ameaça e, para as autoridades, não há mais nenhuma interpretação a fazer.

 

O contexto em que aparece a referência a matar crianças numa escola está a ser aproveitado pelos advogados de defesa. Comecemos pelo princípio. Pouco depois da separação, Elonis começou a ameaçar a mulher através de posts que publicava no Facebook. Num destes posts afirmava que só descansaria quando visse o corpo dela “desfeito, ensopado em sangue de todos os pequenos cortes” que lhe faria. Como se a situação não fosse suficientemente alarmante para a mulher, os leitores no Facebook ainda tiveram de se deparar com a mediocridade de um homem que dava os primeiros sinais, de resto preocupantes, de querer ser artista. A tendência acabou por ser revelada depois de o tribunal emitir uma ordem de restrição que o impedia de contactar com a mulher, altura em que Elonis decidiu prosseguir com as ameaças sob a forma de canções “rap”. A defesa alega que as “canções” que escrevia no Facebook, sob o pseudónimo Tone Dougie, eram um modo “terapêutico” de lidar com a dor de ter sido abandonado. Foi condenado a 44 meses na cadeia porque o júri decidiu que “escrever um rap” sobre esfaquear um agente do FBI que tinha acabado de sair de sua casa não era sequer um caso de arte má.

 

O refúgio na arte não seria uma novidade para homens zangados, como argumentaram Elonis e o seu advogado. Eminem foi mencionado como um caso de homem frustrado com o sexo feminino e até o pacífico John Lennon um dia cantou: I’d rather see you dead, little girl/ Than to be with another man. O quarteto que cantava Obladi, oblada, life goes ooooon nunca me enganou.

 

A decisão do Supremo só será conhecida no Verão. Por agora, já se percebeu que a defesa quer provar que a ameaça era afinal arte medíocre, protegida pela Primeira Emenda. Resta saber se o Supremo aceita os argumentos.

 

Publicado na edição de fim-de-semana do i, 6/7-12-14

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publicado às 19:38