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Dor de Cabeça: Sonhos televisivos

por Carla Hilário Quevedo, em 28.10.11

Tenho o sonho de ligar a televisão num canal português e não mudar imediatamente para o cabo. Sonho com o dia em que sigo um noticiário de vinte minutos do princípio ao fim, fazendo um zapping ligeiro, embora inevitável. Não é um sonho impossível de realizar e parece que noutros países prevalece o admirável bom senso de não estafar o pobre do espectador com blocos de informação de mais de uma hora que incluem reportagens sobre a actividade sexual das pessoas com deficiência ou acerca dos restaurantes que sobrevivem à crise porque estão abertos até às três da manhã. Pergunto se as direcções de programas dos canais portugueses terão dado por garantida a fuga de cérebros do País. Só esta certeza a respeito do nível intelectual do público explica a falta de empenho em cativar quem saiba ler e escrever. Sonho com o dia em que assisto a um programa de comentário da actualidade política portuguesa sem acabar com palpitações. Ainda persisto na Quadratura do Círculo e no comentário ao domingo de Marcelo Rebelo de Sousa, mas no limite das minhas forças, com a cor a desaparecer das faces de rapariga sadia e as pernas a tremer, mesmo estando sentada ou deitada no sofá. É muita pressão. É muita ansiedade. É, enfim, o País revelado ao povo como um buraco sem fundo, sem futuro nem esperança. Não são para distrair. A excepção que encontro nos outros programas de conversa sobre o presente - não é sempre demasiado cedo para falar do presente? – é a Prova dos Nove, na TVI 24. Há ali uma harmonia entre os quatro que é independente das opiniões de cada um. E gosto da subtileza, da cautela, do humor de José Medeiros Ferreira, que não é previsível nem óbvio no que diz. É refrescante de ouvir, sobretudo num tempo em que os sinceros são brutos, os pessimistas são cínicos e o resto insiste num discurso de indignação monótono. Sonho com o dia em que me entusiasmo com uma série portuguesa. Sonho com o dia em que volto a suspirar por um programa português de humor. Até lá, tento sobreviver o melhor que posso com a HBO e a Showtime. Se não fosse a ficção, meu Deus…

 

Publicado hoje no Metro.

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publicado às 18:56