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"O sofrimento dá cabo das pessoas. Vira-lhes os cantos dos olhos e da boca. Torna-os inacessíveis aos encantos do mundo, que já são poucos. O sofrimento vexa, humilha, amarrota, estupidifica. O sofrimento é uma coisa que não se deve enfrentar. Não é um touro. Não é a CEE. O sofrimento é uma coisa de que se deve absolutamente fugir. É melhor sair da sala, abandonar o lar, beber uma garrafa inteira de rum, tomar comprimidos e drogas, do que sofrer. É o sofrimento que mata as pessoas."
Miguel Esteves Cardoso, As minhas aventuras na república portuguesa, Assírio & Alvim, Lisboa, 2006 (7.ª edição), p. 106.
"Penso que o modo como as pessoas são educadas tende a dimininuir a sua capacidade para sofrer. Presentemente, uma escola considera-se boa «se as crianças se divertem». E esse não costumava ser o critério. Além disso, os pais querem que os seus filhos cresçam como eles (só que mais), mas sujeitam-nos a uma educação muito diferente da deles. A resistência ao sofrimento não é muito cotada, porque não deve haver sofrimento; de facto, está fora de moda."
Ludwig Wittgenstein, Cultura e Valor, tradução de Jorge Mendes, Edições 70, Lisboa, 1996, p. 106.
Não é boa a notícia de que os alunos das escolas públicas de Temple, no Texas, arriscam a ser sujeitos a castigos corporais. Porém, o castigo das reguadas na palma da mão, apenas dadas pelo director, em privado, e em casos graves de mau comportamento, bastou para que a violência escolar diminuísse drasticamente. Quem o afirma é Steve Wright, director do conselho escolar de Temple, ao The Washington Post. Num país em que é fácil o acesso às armas de fogo, custa a acreditar que umas reguadas sejam dissuasoras de comportamentos violentos. Seja como for, resultando ou não, a solução para aqueles casos ser recuperar um castigo justamente esquecido é uma notícia triste. Assim, parece que nem os professores nem os alunos aprenderam nada. Logo agora que se começava a perceber que autoridade é diferente de autoritarismo volta a estúpida palmatória. Por enquanto, isto não acontece em Portugal, e espero que por cá a moda não pegue. A discussão sobre a falta de autoridade dos professores e a impunidade dos alunos é longa e tem sido fraca. Por um lado, os professores não podem fazer nada perante alunos que tudo podem fazer. Por outro, os alunos são largados à sua sorte numa escola que a toda a hora pede a intervenção dos pais. Neste sistema, todo ele errado, os envolvidos no delicado processo de «formar pessoas» parecem ter esquecido que a escola oferece, antes de mais, a oportunidade aos filhos de se livrarem dos pais. Numa época em que as crianças são vistas como fenómenos raros da Natureza, muitos pais, ou são negligentes, porque não percebem as habilidades modernas dos filhos, ou são super-protectores dos seus super-miúdos sobredotados. Todos nos lembramos de em pequenos termos professores que respeitávamos e com quem até aprendíamos umas coisas. Tinham a autoridade própria dos que têm interesse e gosto pelo que fazem. Os professores de agora estão cansados ou têm menos vocação? O que seria punir devidamente um aluno infractor nos dias de hoje?
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Chloë Sevigny
... numa tentativa de tirar a limpo uma frase de Wittgenstein, fui dar a Cultura e Valor, um conjunto de notas manuscritas e dispersas do filósofo, organizadas por Georg Henrik von Wright, que seleccionou os 'melhores' apontamentos, excluindo os de natureza «de tipo puramente pessoal». As notas estão organizadas por ordem cronológica, com indicação da data em que foram escritas. A frase que me interessa agora é de 1948 e foi traduzida assim por Jorge Mendes (Edições 70, p. 101): «Os animais acorrem quando são chamados pelos seus nomes. Exactamente como os seres humanos». E não, não há contexto. Há pessoas que nunca acorrem a nada, por muito que as chamemos. Podem não ser capaz de ouvir, ou podem não estar atentas. Não faço ideia se as aves em geral acorrem quando são chamadas pelos seus nomes, mas talvez os golfinhos o façam. E as tartarugas? Precisamos de dizer o nome de uma certa maneira, exactamente como fazemos com as pessoas. Quanto a gatos, é provável que os siameses tenham uma reacção mais esperta que o gato Varandas, que, é preciso notar, é lindo. A questão é: os animais reagem a um som que reconhecem como o seu nome? Porque se a resposta for sim, é desta que nunca mais como carne.