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Li um texto encantador de Joseph Epstein, editor e escritor de 73 anos, sobre a velhice. O pequeno ensaio publicado na revista Notre Dame tem o título The Symphony of a Lifetime. Como solução para acabar com os dissabores da vida, Epstein apresenta a solução proposta pelo filósofo Epicuro: esquecer Deus, a morte, a dor e os bens materiais. Mas acaba por concluir que, sem os dramas diários, a vida não merece ser vivida. Dito assim, até concordo com Epstein. Mas há que pensar melhor. Esquecer Deus podia funcionar em casos extremos. Mas, na nossa era, Deus e a prática da fé presumem mais consolo que ansiedade. Esquecer a morte parece-me uma atitude presente no quotidiano, infelizmente interrompida pela realidade e pelo desaparecimento de pessoas próximas. Tendemos, porém, a não pensar muito nela. Sobre a dor não há muito a acrescentar, a não ser que, no tempo de Epicuro (conhecido por sofrer de problemas renais), não havia Vicodin nem outros analgésicos. É também certo que a nossa vida está bastante mais facilitada. Concordo inteiramente que os bens materiais podem criar muita ansiedade. Ainda por cima dizem que a seguir à Grécia somos nós.
Publicado na Tabu, Cinco Sentidos, 16-4-10
Desde que a crise grega se tornou conhecida do mundo inteiro e arredores que ando a pensar em escrever sobre o assunto. Não o tenho feito porque ter morado naquele país durante três anos não me habilita a falar sobre o estado das suas finanças públicas. Tenho, contudo, a experiência quase radical de querer fazer uma pequena obra numa casa em Atenas. À espera de uma autorização que nunca mais chegava, perguntei aos meus amigos gregos se nada funcionava no berço da democracia. Responderam com uma palavra: fakeláki. Em português, envelopezinho. Marcus Walker, no The Wall Street Journal, escreve sobre a realidade ingovernável dos fakelákia e dos rousfétia. Entre pequenos envelopes e favores especiais, os gregos chegaram ao ponto de ouvir o seu próprio primeiro-ministro, Giorgos Papandreou, a reconhecer que «o principal problema do país é a corrupção sistémica». Uma cultura de evasão fiscal e de suborno levou o país à ruína agora tão noticiada. Não foram os crimes cometidos por alguns, mas um modo de vida partilhado por todos, que arruinou o país. Quem quisesse escapar aos envelopes via a sua vida protelada para dia de São Nunca à tarde. Lá tive de mudar de casa.
Publicado na Tabu, Cinco Sentidos, 16-4-10