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Chloë Sevigny
... Wittgenstein diz, não sei bem onde, que os animais respondem pelo nome, tal como fazem os seres humanos. Digo que não sei bem onde porque a frase é citada num livro que ando a ler. Não tenho ideia do contexto; mas, para já, é irrelevante. Ando há anos a fazer a experiência com o animal não humano da família. O Varandas responde pelos seguintes nomes: Varandas (nem sempre); Gato Lindo; Nhó Nhó e Maria Luísa. E não é bem responder; é olhar para mim quando falo num certo tom de voz. Estaria Wittgenstein a falar de cães? Vou ver se tiro isto a limpo.
You've got to be taught before it's too late,
Before you are six or seven or eight,
Como foi dito: não penses, olha!
Ludwig Wittgenstein, Investigações Filosóficas, 66, tradução de M.S. Lourenço
O essencial é saber ver,
Saber ver sem estar a pensar,
Saber ver quando se vê,
E nem pensar quando se vê,
Nem ver quando se pensa.
Alberto Caeiro, n'O Guardador de Rebanhos
Trying to enjoy my readin'
But you insist on interpretin' text
Nellie McKay, It's a Pose
Todos os anos acontece o mesmo. De um Inverno mais ou menos rigoroso – este ano especialmente chuvoso – passamos de repente a um sol radioso e a temperaturas surpreendentes. O resultado desta mudança abrupta de clima está bem visível nas ruas. Apesar da despedida (por enquanto, sem saudade) dos casacões, a desconfiança natural de que «logo pode estar frio» leva as raparigas às misturas de trapos mais duvidosas. É assim que observadores externos e sensatos experimentam momentos chocantes de perninhas deslavadas ao léu acompanhadas do angorá porque-nunca-se-sabe logo seguidos de outros não menos escandalosos com botas altas e collants opacos assistidos por um vestidinho de alças. O caos primaveril chegou às ruas da cidade, e este ano traz uma novidade que é ela própria o epítome desta incoerência: a sandália-botim. Quem terá inventado este híbrido medonho para pés femininos? As consequências estéticas da democratização deste modelo de sapato são aterradoras: baixinhas que ficam mais baixinhas e altas que nunca chegam a ter altura. A sandália-botim destrói a silhueta, e é um sapato mesmo feio. Aguardemos por melhores dias com a serenidade possível.
Publicado na Tabu, Cinco Sentidos, 16-4-10
Os bilhetes para a última tournée mundial de Madonna, «Sticky & Sweet», realizada entre Agosto de 2008 e Fevereiro de 2009, foram comprados por três milhões e meio de pessoas. Considerada a maior tournée realizada por um artista a solo, «Sticky & Sweet» ocupa o segundo lugar na tabela das mais lucrativas, com mais de 400 milhões de dólares arrecadados em 85 espectáculos. Aos cinquenta anos, Madonna é mais rentável que nunca. Os quatro concertos no estádio do River Plate, em Buenos Aires, resultaram no cd/dvd que é já imprescindível a qualquer fã que se preze. O mais divertido do espectáculo é ser uma exibição de bazófia. Durante cerca de duas horas, Madonna canta, toca e dança sem parar. E ao sétimo tema – de um total generoso de 26 – salta à corda. Madonna não suspira de cansaço, não faz uma única careta descontente, não se queixa. Quem corre vinte quilómetros por dia e por gosto não cansa. A pose de provocação é constante, com todos à sua volta e com o público, que acarinha e insulta. Numa atitude de desafio aos deuses, Madonna acaba o espectáculo com uma entrada no palco aos saltinhos. Como se nunca tivesse deixado de ser uma criança. Mil vezes bravo!
Publicado na Tabu, Cinco Sentidos, 16-4-10
Por ocasião da visita do Papa Bento XVI a Portugal, o Governo decidiu dar tolerância de ponto a todos os trabalhadores da Administração Pública no dia 13 de Maio. Em Lisboa, os funcionários públicos vão ter tolerância a partir da tarde de 11 de Maio. No Porto, terão a manhã de 14 de Maio. A tolerância de ponto é dada no Natal, no fim de ano, na Páscoa e pouco mais. Satisfação ou indiferença são as reacções habituais a este tipo de notícia, e ambas pelos motivos mais diversos. A notícia foi recebida com agrado pela Igreja Católica e pelos fiéis e com revolta por ateus militantes. Também Luís Bento, antigo consultor do Banco Mundial, Carvalho da Silva, líder da CGTP e António Saraiva, presidente da Confederação da Indústria Portuguesa, não concordam com esta paragem, visto que o país se encontra numa altura de crise em que é preciso produzir. Sabemos que Portugal precisa de ser mais produtivo e mais competitivo. Mas tenho sérias dúvidas sobre se essa produção depende necessariamente do trabalho realizado nestes dias da visita do Papa. Seja como for, que os patrões e mesmo os sindicatos prezem mais os números que a fé, não surpreende. Só fico admirada com a revolta indignada dos ateus. O presidente da Associação Ateísta Portuguesa, Carlos Esperança, afirmou à Lusa que «Um Estado laico não pode favorecer um chefe religioso, o que é contra a Constituição». Fico contente, no entanto, que não tenha dito que o Papa devia ser preso à chegada, como declararam em Inglaterra os fervorosos não-crentes Richard Dawkins e Christopher Hitchens. Entretanto, foi criada no facebook uma conta com o eloquente título «Trabalho para o Estado e não quero tolerância de ponto no dia 13 de Maio!». Salvo esta falta de jeito para slogans, considero que a visita do Papa já está a ser positiva. Há muita gente a querer contribuir para o progresso do país! Podem não ser crentes mas acreditam no Estado a valer. A visita do Papa prejudica o país? A tolerância de ponto devia ser opcional?
Publicado hoje no Metro. Deixe a sua opinião através do 21 351 05 90 ou no Jazza-me Muito. Os comentários que chegarem até quinta-feira, dia 22 de Abril, às 15h, vão para o ar na Rádio Europa na sexta, dia 23, às 10h35.
Kate Moss por Willy Vanderperre
... logo agora que uma pessoa se começava a despir com alegria e boa disposição, cai uma valente carga de água e volta a estar um frio de bater o dente. Não é nada de novo, bem sei, mas até nas questões meteorológicas é preciso manter alguma inocência. O Verão podia estar aí à porta. Sim, em meados de Abril. E depois? Continuávamos de casacão? E sem a ideia de 'poder ser' como percebíamos o que 'é'? Ou não é. Neste caso, Verão. Entretanto, tive uma recaída (sempre estrutural) de Madonna, plenamente justificada pelo dvd de um espectáculo (ou dos quatro juntos) em Buenos Aires, em Dezembro de 2008, na tournée Sticky & Sweet. O dvd inclui trinta minutos de backstage, que não trazem nada de novo a não ser a confirmação de que os bailarinos cheiram mal ('smelly dancers') e uma queixa de Madonna. Está farta de cantar sempre os mesmos temas, por isso os remistura tanto. Por falar em temas, canta 26 - vinte seis - em duas horas de espectáculo. Lá forreta não é. E os argentinos são lindos, pois são. C-A-N-D-Y. C-A-N-D-Y...
Ninguém se lembra de perguntar à Hermès como são mortos os crocodilos que acabam nas carteiras que custam cerca de trinta e cinco mil euros e para as quais há longas listas de espera. Talvez por o crocodilo não ser um animal simpático, ninguém está interessado no seu destino. A não ser os fabricantes de malas de luxo. Mas por vezes as soluções para problemas recentes aparecem quando uma figura pública especialmente querida faz a pergunta certa. A Vogue inglesa noticiou que Angelina Jolie quis saber junto da marca suíça Akris como tinham sido tratados os animais envolvidos na produção das novas carteiras em forma de trapézio. Parece uma pergunta amalucada mas é pertinente. O material usado é extravagante: as carteiras (muito bonitas) são feitas de pêlo das caudas de cavalos. O designer Albert Kriemler disse que tinham respondido a Mrs. Pitt que os cavalos precisavam de cortar o cabelo como qualquer um de nós. A explicação terá sido aceite por Jolie, entretanto vista com um destes trapézios sofisticados na mão. Pois a resposta não serve. Uma marca responsável deve ter certificados de garantia de que leva a sua matéria-prima e o dinheiro dos clientes a sério.
Publicado na Tabu, Cinco Sentidos, 9-4-10