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A DECO decidiu arriscar a vida em 35 passagens de peões em Braga, Porto, Lisboa, Setúbal, Faro e Portimão. Vinte e seis das passadeiras foram consideradas perigosas para os seus utilizadores. Em Lisboa, nenhuma das passadeiras recebeu nota positiva. Qualquer peão atento às cinco páginas dedicadas ao tema na mais recente edição da revista Proteste muda os seus hábitos. Não se limita a não sair de casa. Passará o resto da sua existência debaixo da cama, a tiritar com suores frios, agarrado a um cobertor. A denúncia da DECO revela a mentalidade instalada em Portugal, que enaltece o comboio de alta velocidade enquanto descura a limpeza das ruas. No país das auto-estradas, os peões não estão seguros. Segundo os dados da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, no ano passado, seis mil peões foram vítimas de atropelamento, dos quais 126 morreram e 487 ficaram gravemente feridos. Lembrei-me a propósito de uma passadeira obscura que se encontra no fim de uma descida à direita na Av. dos Combatentes, entrando na Av. das Forças Armadas, em Lisboa. Estará estrategicamente colocada para facilitar o acesso ao Hospital de Santa Maria. É a única explicação.
Publicado na Tabu, Cinco Sentidos, 8-10-10
Passados dez anos do primeiro Big Brother, estreia na TVI a Casa dos Segredos, um reality show francês com o título inglês Secret Story. Dezasseis concorrentes (ou dezassete, se contarmos com o gémeo Mário escondido num quartinho secreto) estão fechados numa casa. «Cada um tem um segredo que vale cinco mil euros. O objectivo principal é descobrir o maior número de segredos dos companheiros e guardar o seu.» As regras do jogo são assim apresentadas no site do programa. Os segredos que nos foram revelados, mas que os concorrentes desconhecem, variam entre ter um bar de alterne e experiências paranormais ou ter cometido um assalto e ser acompanhante de luxo. E não, não acumulam. A tarefa do público de adivinhar o segredo que corresponde a cada participante não será, contudo, tão divertida como a tarefa de quem está às cegas na casa. Veremos quem melhor acumula as funções de observador e dissimulador. Por enquanto, a Casa dos Segredos abriu a possibilidade da vida dupla ao cidadão comum. Já não precisamos da ficção tradicional. Temos a ficção real. Já não precisamos de actores. Temos os anónimos que saem barato. Bye, bye, Ídolos. Olá, Casa dos Segredos!
Publicado na Tabu, Cinco Sentidos, 8-10-10
Audrey Hepburn
... sou capaz de ter chegado a um ponto em que considero ser o mal a própria ideia do merecimento. Podemos merecer ser promovidos no trabalho porque trabalhámos bem, ter boas notas na escola porque nos esforçámos, ganhar distinções e medalhas pela dedicação ao país, ou sermos homenageados com estátuas e nomes de ruas por termos oferecido um hospital ou uma escola à população. Mas tirando estes exemplos, ninguém merece nada do que lhe acontece. Na verdade, nenhum dos exemplos dados anteriormente são acontecimentos inesperados. São reconhecimentos previstos, que em muito pouco ou nada dependem do que nos calha em sorte. Mas ninguém merece nada do que lhe 'cai em cima'. Nem o bom nem o mau. Esta ideia tão difundida e profundamente maléfica até me revolta. É tão estúpido quanto acreditar que os mineiros presos há meses debaixo da terra merecem aquilo que lhes aconteceu. É pensar que somos felizes porque até merecemos. Não é assim! Tivemos sorte e fomos capazes de a valorizar. Só é possível falar em 'merecimento' na medida em que fizemos alguma coisa com a sorte que tivemos. Mas não por a termos tido. Este é um tema um bocado pesado para ser explorado de uma só vez.