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Joan Bevan, a mulher do Dr Bevan, era uma estranha para Ludwig Wittgenstein quando o filósofo se mudou para sua casa para morrer. Não eram íntimos e o primeiro encontro não correu bem. Mrs Bevan disse qualquer coisa que pareceu estúpida a Wittgenstein, o costume. Nos dias seguintes, houve, contudo, uma aproximação simpática entre ambos: ela perguntava sobre pessoas que admirava e ele respondia com o sarcasmo que lhe era característico. Acabara de completar 62 anos quando ficou muito doente. Mrs Bevan mandou chamar os amigos e contou-lhe que chegariam no dia seguinte. O filósofo respondeu: «Diga-lhes que tive uma vida maravilhosa». Lembrei-me desta história a propósito da lista dos cinco lamentos mais repetidos por moribundos, publicada há dias no Guardian. A lista foi feita por Bronnie Ware, uma enfermeira australiana, especializada em cuidados paliativos. The Top Five Regrets of the Dying é o título do livro onde fala sobre a sua experiência com pessoas no leito de morte. O lamento mais comum foi o de não ter tido coragem de viver uma vida verdadeira e de acordo consigo mesmo e não com o que outros esperavam de si. Algo que Wittgenstein nunca diria.
Publicado na Tabu, Cinco Sentidos, 10-2-12
O problema do abandono de idosos não é muito discutido no nosso país. Quando o é, a discussão é demasiadas vezes sentimental e pouco lúcida quanto às soluções que têm de ser encontradas para minimizar o problema. Morar sozinho não é por si só um sinal de abandono da família nem significa que a pessoa esteja isolada. A autonomia na velhice é um bom sinal e não exclui um acompanhamento regular por parte dos familiares e dos membros da comunidade próxima, amigos, vizinhos, etc. A vida de bairro nas cidades ajuda a atenuar os momentos de maior solidão. Não são, portanto, todos os casos de idosos a morar sozinhos que interessa discutir. O que é difícil de suportar são as notícias de pessoas mortas há semanas em casa sem ninguém dar pela sua falta. São estes casos que nos devem fazer pensar que não está tudo bem. Mesmo que o isolamento seja deliberado, mesmo que o convívio seja mais difícil para alguns, e ainda que não saibamos o que poderá ter levado a um isolamento tão extremo, custa saber que não somos uma sociedade tão solidária quanto devíamos ser e que não estamos a prestar atenção a pessoas que não sabem pedir ajuda. A questão é sensível e merece cuidado.
Publicado na Tabu, Cinco Sentidos, 10-2-12