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Uma decisão invulgar de um juiz de Portalegre está a despertar o debate na sociedade portuguesa sobre a realidade dramática da entrega da casa ao banco por impossibilidade de pagamento da mensalidade dos empréstimos. O juiz decidiu que a dívida estaria saldada com a entrega da casa ao banco. O problema é tão complexo, que merecia ser tratado mais exaustivamente por parte da comunicação social. Como leiga na matéria, fiquei satisfeita com a decisão do juiz. Parece justa, tendo em conta que quem avalia a casa é o banco, tanto quando concede o empréstimo, como na altura em que compra a casa de volta. O banco avalia acima do pedido inicial de empréstimo, a fim de conceder mais crédito, mas na hora de comprar o imóvel, avalia por baixo e exige o pagamento da diferença entre o empréstimo concedido e o valor da nova avaliação. É certo que as casas de hoje não valem o mesmo, mas valeriam assim tanto no passado? Não foi isto que aconteceu com a bolha imobiliária fatal nos Estados Unidos da América?
Publicado na Tabu, Cinco Sentidos, 4-5-12
Na semana passada, falei aqui um pouco sobre a ausência intrínseca de progresso na humanidade. A natureza humana é a mesma; por isso, no meu entender, é a relevância que damos ao que existe que constitui aquilo a que ilusoriamente chamam 'mudança'. Como exemplo, dei a má educação, punida pela sociedade em tempos não muito anteriores ao nosso, mas que hoje em dia é entendida como um traço distintivo de 'uma personalidade forte'. É ainda demasiadas vezes confundida com ‘sinceridade’, um valor fundamental para relacionamentos necessariamente verdadeiros. Devo sublinhar que a má educação de que falo não se resume à falta de cordialidade, também ela importante, mas à ausência de princípios e de competência moral e humana, que tem consequências directas no modo como nos relacionamos. Sejamos decentes uns com os outros no desacordo quotidiano, no conflito de ideias, no confronto ideológico. E deixemos toda a nossa brutalidade e impertinência para a literatura e para o humor.
Publicado na Tabu, Cinco Sentidos, 4-5-12
... não tenho tido tempo para acordar assim, mas tenho pena. A vida dantes era mais fácil. Agora há tanto a fazer e em que pensar, que nem uns minutos restam para reflectir no blogue sobre o acontecimento Pingo Doce. Só uma breve nota: entendo o ponto de Pacheco Pereira e, certamente, no meio de todas as pessoas que foram ao supermercado naquele dia, houve quem o fizesse por necessidade, claro que sim. E alguns tê-lo-ão feito com vergonha da sua condição difícil. Como se não ter dinheiro fosse motivo de vergonha! Não é, nem tem de ser. É motivo de preocupação, um problema que atrasa vidas, uma grandessíssima chatice, mas ninguém deixa de ter a sua dignidade por ser pobre. Não é assim que vejo as pessoas, pelo menos. Mas não foi esse o único tipo de cliente ali naquele dia. Houve de tudo, como se viu pelo stock esgotado de vinhos e uísques. O que parece fazer impressão é a promoção ser feita com bens de primeira necessidade: não reagimos assim com outros saldos, porque há a ideia de que a comida é também ela uma garantia, um direito. Não quero parecer insensível, mas a verdade é que não é.