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"- The ways of the Creator are not our ways, Mr Deasy said. All history moves towards one great goal, the manifestation of God.
Stephen jerked his thumb towards the window, saying:
- That is God.
Hooray! Ay! Whrrwhee!
- What? Mr Deasy asked.
- A shout in the street, Stephen answered, shrugging his shoulders."
James Joyce, Ulysses, 2.
"God: noise in the street: very peripathetic." James Joyce, Ulysses, 9.
Holland Cotter, crítico de arte do The New York Times, escreveu que se tivesse dinheiro nunca compraria a versão de 1895 de O Grito, de Edvard Munch, vendido num leilão da Sotheby’s de Nova Iorque por 91 milhões de euros, provavelmente a um milionário do Qatar. Para Holland Cotter, crítico de arte há 40 anos e Prémio Pulitzer, o mais importante é coleccionar experiências, por isso nunca faria uma colecção de objectos de arte. Faz lembrar a célebre fábula de Esopo, em que uma raposa vê um belo cacho de uvas numa vinha alta e diz que estão verdes para não admitir que não chega lá. Cotter nunca compraria O Grito porque não só não tem a fortuna para o fazer, como não vive de uma certa maneira, nem é uma certa pessoa. Comprar O Grito é parecido com comprar Mona Lisa. Pelo menos 99 % da população não é capaz de imaginar. Nos meus sonhos, comprava esta versão do quadro sem hesitar. É a melhor das quatro. Seria uma honra ter uma obra de arte que expõe tão intensamente a nossa eterna fragilidade.
Publicado na Tabu, Cinco Sentidos, 11-5-12
É na cena em que Eva (Tilda Swinton) fala com o filho Kevin (Ezra Miller) à entrada do mini-golfe que encontro a tese de Temos de Falar Sobre Kevin, um filme de Lynne Ramsay. Eva critica uma mulher obesa que ali se encontra e explica a Kevin que é obeso quem come demais. O filho sublinha a dureza da sua observação e Eva responde com um seco «olha quem fala». Ele riposta com o clássico «tenho a quem sair». A culpa de Eva em relação ao filho sociopata de pequenino é manifestada no seu comentário: há culpa em comer demais, tal como ela se sente culpada por não ter sido uma grávida e mãe feliz. Kevin, entretanto, tem um bode expiatório à mão para a sua crueldade criminosa: foi rejeitado pela mãe. A própria comunidade, pouco sensível para o destino do marido e da filha, aponta Eva como a responsável pelos crimes cometidos pelo filho. Como se a rejeição na infância fosse parecido com comer demais, com os efeitos bem à vista. A psicopatia de Kevin tem uma explicação misógina, que é aceite pela sociedade.
Publicado na Tabu, Cinco Sentidos, 11-5-12