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O motivo por que me referi à capa da Time como 'pornográfica' está à vista, mas passo a explicar. A única intenção da revista é chocar o leitor, fazendo com que olhe apenas para uma parte da fotografia, sem dar espaço a qualquer ambiguidade. Ou seja, que a compre para ver o que é aquilo. Não há na imagem nenhuma alusão ao afecto, à ligação profunda entre a mãe e um filho: é tudo bruto e frio, com a mulher reduzida à mama; útil na sua função de amamentadora eterna. Isto é tão Little Britain...
Está um artigo no Guardian em defesa da Attachment Parenting, em que se desfaz um pouco a má impressão criada pela capa. A questão dos laços criados entre a mãe e o filho nos primeiros tempos de vida é um tema importante em Temos de falar sobre Kevin, de que falei na semana passada. Fica-se com a ideia (errada, no meu entender) de a ausência de ligação à mãe ter provocado o horror. Há necessariamente uma objecção a fazer neste caso: a maioria das crianças rejeitadas pela mãe não são psicopatas assassinos. O filme tem, além do mais, a vantagem de fazer pensar nesta distinção importante: uma mulher não tem culpa de ter uma depressão pós-parto, não tem culpa de não desejar o bebé que acabou de ter (é terrível, mas acontece), mas tem uma responsabilidade quando escolhe dormir todas as noites com o filho: a Attachment Parenting é uma escolha.
Para quem pensa que o problema é novo, informo de que a conversa sobre amamentação tem pelo menos dois mil anos.
Numa das suas últimas edições, a revista Time exibiu na capa uma rapariga de 26 anos a amamentar um filho de quatro. Estão ambos de pé e o rapaz está pendurado na mama da mãe. As críticas não se fizeram esperar. No meu entender, estamos perante uma capa pornográfica. Não se trata de uma imagem de uma mãe carinhosa, a amamentar um bebé de meses. É uma fotografia vulgar e exibicionista. Se é certo que os laços entre as mães e os filhos (sobretudo os rapazes) são muito importantes no desenvolvimento saudável da criança, é sabido que a quebra dos laços físicos iniciais são essenciais no crescimento. É uma questão a discutir com terapeutas velhos e sérios. Amamentar uma criança de quatro anos, possivelmente dormir com ela, tudo isso pode parecer protector e amoroso, mas traz outro tipo de problemas. O amor materno tem destas coisas. Se é de menos, pode originar problemas de auto-estima e timidez social; se é de mais, moleza e dependência. Philip Larkin tinha a sua razão: They fuck you up, your mum and dad...
Publicado na Tabu. Cinco Sentidos, 18-5-12
Não gostei de ouvir o primeiro-ministro a usar as palavras 'desemprego' e 'oportunidade' na mesma declaração. A oportunidade de mudar de vida não é bem a mesma para todos. Os que a têm não precisam de ouvir do Governo como devem agir. Ainda menos gostei que no dia seguinte tivesse insistido no mesmo tema. A explicação não atenuou o erro; pelo contrário, só o sublinhou. A única atitude a ter face à calamidade do desemprego no País, que é má para todos, também porque tem efeitos irrecuperáveis – esteve muito bem Vítor Gaspar sobre o mesmo assunto – na vida de cada indivíduo na comunidade, é de compreensão e solidariedade. É como alguém dizer que está triste e ter outra a dizer que deve estar alegre, em vez de lhe mostrar que percebe a sua tristeza. Entender não é chorar em conjunto: é demonstrar a quem sofre que não está desamparado. Acima de tudo não é dizer que estar triste é uma oportunidade de estar alegre. Os governantes não são eleitos para dar sugestões e conselhos. Para isso há padres e pais.
Publicado na Tabu, Cinco Sentidos, 18-5-12