Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Vasco Pulido Valente escreveu mais duas crónicas este fim-de-semana, além daquela em que quase me enervava. Nessa referia que a Fundação Calouste Gulbenkian recebera um apoio do Estado que não se justificava. Nas restantes, manifestou o seu incómodo por se ter enganado. O engano é natural, pois a fonte é o célebre relatório do governo sobre as fundações de direito público, privado, assim-assim, pardais ao ninho. Já o mau estar com o engano não é para todos. Mas nem isso serviu para salvar VPV. Houve logo quem exigisse que se imolasse pelo erro. Pessoas que nunca se enganaram, certamente. Não é o meu caso, que ainda hoje acordo a meio da noite com suores frios por ter acreditado com entusiasmo nas palavras de Jonah Lehrer. Salvas as devidas diferenças naturais e etárias, são coisas que só acontecem aos melhores.
... decidi, a partir de ontem, não fazer mais observações aos comentários de António Borges. As pessoas têm de preencher requisitos mínimos para serem criticadas, senão a crítica passa a ser bullying. E está um dia lindo, lá isso está.
Happy Accidents (um filme encantador). The Dictator (é tudo excelente).
Grace Kelly
... a ler o artigo de Vasco Pulido Valente sobre as fundações. Ainda bem que perdi a paciência há muito tempo. Era capaz de me enervar.
Numa entrevista recente a Judite de Sousa, o ministro da Educação, Nuno Crato, afirmou que uma pessoa que se esforçasse e estudasse os assuntos que mais lhe interessam poderia ser bem sucedida na vida. O exemplo que escolheu foi o estudo do latim, para horror da entrevistadora. Nuno Crato defendeu que, quem queira ensinar latim, tem a possibilidade de viver daquilo a que se dedicou desde que estude para ser o melhor na sua área. Penso que, de uma forma geral, tem razão, mas a vida tem o problema e a graça de não ser o resultado de uma fórmula. O esforço e a dedicação são fundamentais, mas não são garantias, sobretudo num país de poucas oportunidades como o nosso.
Estudar latim, além do mais, não leva necessariamente à nobre profissão de professor de latim. Pode não parecer, mas esta é uma boa notícia. E não parece porque há a ideia, que me parece limitada, de que é preciso haver uma correspondência exacta entre o que se estuda e o que se faz na vida. Até podia acontecer, há uns anos, e daí as certezas sobre empregos para a vida. Um médico acabava o curso, estudava mais uns dez anos depois disso, mas sabia que o esforço e o tempo compensariam no final. Hoje em dia, mesmo em medicina, não há certezas. O desafio difícil das novas gerações em Portugal é o de ainda serem confrontadas com a ideia de que é preciso ter estudado x para ser x. Não tem de ser assim, mas a responsabilidade de mudar a mentalidade no que diz respeito aos perfis das pessoas a contratar não tem de ser das universidades, mas das empresas.
Penso que ninguém defende a manutenção de escolas e cursos sem qualidade e, infelizmente, não nos podemos dar ao luxo de sustentar aulas com dois alunos inscritos. Mas daí a exigir às universidades que provem a empregabilidade dos seus cursos vai uma distância enorme. O problema é abordado sempre que se fala das humanidades, encaradas como uma perda de tempo num mundo cada vez mais embrutecido. O que vai fazer quem decida estudar filosofia? Ou história? Ou literatura grega? Num mercado de trabalho reduzido e a funcionar mal, as perspectivas de futuro são pouco animadoras.
Mas a solução não é transformar as universidades em escolas de formação profissional, libertando as empresas da responsabilidade de formar os seus quadros. Não é para isso que serve a universidade, que, nas palavras do filósofo Michael Oakeshott, no ensaio "The Idea of a University", "não é uma máquina para atingir um objectivo particular nem produzir um resultado particular: é uma forma de actividade humana". A actividade consiste na "busca da aprendizagem", constitutiva de uma sociedade civilizada. Justificar a necessidade da universidade levou a uma resposta perversa que se adequa a uma sociedade fragilizada pela pobreza: a empregabilidade dos cursos.
As respostas são, no entanto, bastantes antigas. Não se trata de "aprender literatura", um exemplo, porque "dá para" o desempenho de uma função específica. Estamos a falar de aprender a distinguir o bom do mau, o que é verdadeiro do que não é. Aprender sobre os outros, sobre nós. Como preparação para o mercado de trabalho, não está nada mal.
Publicado na edição de fim-de-semana do i, Loja de Porcelana, 15-9-12
Estava à espera que Bad Piggies fosse o jogo da vingança do porco verde maltrado há anos pelo pássaro zangado, porque foi assim que o apresentaram. Seria uma história arriscada, sobre o ladrão transformado em vítima. Mas, afinal, Bad Piggies é sobre os bastidores da vida alegre do porco verde. Tem bricolage, dinamite e uma musiquinha de feira. É menos para nerds do que o Angry Birds. Mais para crianças, que também têm direito a jogar.
Fiquei a pensar que não se trata de 'acertar' na chave do Euromilhões. A menos que um homenzinho minúsculo viva na tômbola e se entretenha a escolher os números na segunda e na quinta à noite, não há motivo nenhum para pensar na existência de uma pré-definição da combinação bisemanal do concurso. 'Acertar' é para assuntos sérios, como a memória. Mas não para o acaso, a sorte, ou seja o que for em que pouco ou nada intervimos.
A manifestante amorosa não apareceu num reality show, mas foi parecido.
Houve um pequeno incidente durante a manifestação de protesto no sábado passado. Uma rapariga, chamada Adriana Xavier, abraçou um polícia quando os manifestantes passavam à frente dos escritórios do FMI. A rapariga é gira. O polícia também é giro. A imagem faz lembrar o anúncio em que uma série de raparigas giras se juntam a uma certa hora para ver um rapaz de tronco nu a lavar as janelas de um escritório. As fotografias também são giras. Até ao pormenor realista contado no Público de que Adriana Xavier não concluiu o 12.º ano por causa da disciplina de Geometria Descritiva, estava preparada para questionar a espontaneidade do episódio. Mas apetece acreditar que foi um acto sincero de paz e amor. Sempre foi melhor o abraço da Adriana do que as pedras atiradas na escadaria da Assembleia da República por miúdas armadas em Hezbollah. Só espero que nem a rapariga nem o distinto membro das forças da intervenção apareçam num reality show.
Publicado na Tabu, Cinco Sentidos, 21-9-12
... nos últimos tempos surgiu uma palavra muito séria no discurso político: lealdade. Temo que esteja a ser usada de um modo abusivo, pouco rigoroso e sobretudo manipulador. A lealdade não é sinónimo de submissão nem de apagamento da face da terra. Muito cuidado com isto.
"He that endeavours after fame by writing, solicits the regard of a multitude fluctuating in pleasures, or immersed in business, without time for intellectual amusements; he appeals to judges prepossessed by passions, or corrupted by prejudices, which preclude their approbation of any new performance. Some are too indolent to read any thing, till its reputation is established; others too envious to promote that fame which gives them pain by its increase. What is new is opposed, because most are unwilling to be taught; and what is known is rejected, because it is not sufficiently considered that men more frequently require to be reminded than informed." Samuel Johnson, em The Rambler, no. 2, 24-3-1750, nasceu hoje, em 1709. Poucos anos depois, nascia a vossa bomba preferida, no mesmo dia exactamente. Fica assim demonstrado que, neste caso, está tudo ligado.
O anúncio mais divertido da televisão portuguesa é a um produto solenemente chamado Memofante, que ajuda a manter a memória fresquinha. O nome do produto apela à célebre memória de elefante, que os estudos indicam estar presentes nas fêmeas, capazes de reconhecer simpatia, ou nem por isso, em elefantes que não pertencem à sua família. Voltando ao anúncio, nele podemos ver a intervenção benéfica de um elefante em situações do quotidiano em que tipicamente nos esquecemos de códigos, óculos, nomes de pessoas. É especialmente divertida esta parte em que um homem cumprimenta com entusiasmo outro que não faz ideia do seu nome. Lá atrás vemos o elefante com uma tabuleta a dizer 'Ribeiro', salvando o cumprimentado de uma situação embaraçosa. Havia escravos na Roma Antiga que tinham a função de lembrar os nomes de outros a políticos. Eram os nomenclatores. Ou os memofantes da época.
Publicado na Tabu, Cinco Sentidos, 14-9-12
Dark Shadows (magnífico! lindo! gostei tanto! oh!)
... ficou decidido no tradicional almoço semanal, em que a democracia-cristã (2 elementos) e o socialismo (1 elemento) conversam sobre os problemas do País, que Passos Coelho está convencido do que diz, acredita na solução que apresentou, e tem expectativas perigosas quanto aos seus resultados. Nenhum de nós está a ver como se paga a dívida com uma transferência de dinheiro dos trabalhadores por conta de outrem para as empresas, mas como somos crentes na discussão de ideias diferentes, também nos custa viver neste consenso. Passos Coelho uniu os portugueses, sim: contra ele. Não me lembro de isto alguma vez ter acontecido. É preciso ter um certo talento... Do outro lado, temos, ai, António José Seguro, que chegou onde chegou porque o partido assim o permitiu. Tenho pena que Francisco Assis não seja hoje líder do PS. Teria tido uma tarefa difícil, talvez ingrata, mas faria uma oposição certamente mais competente e benéfica para todos nós. Entretanto, não vou hoje à manifestação porque tenho de ir ao Algarve, mas estou solidária com aquelas pessoas que se manifestam contra estas medidas em particular.
Lauren Bacall (bem acompanhada)
... ontem, PPC disse que Belmiro de Azevedo podia aproveitar a baixa da TSU para baixar os preços. Já Vítor Gaspar tinha falado na 'fé' de redução dos preços. Se alguém puder esclarecer este aspecto e onde nos conduz, agradeço. Mesmo que os custos de produção e os preços dos produtos acompanhem a descida dos salários, o que se faz, por exemplo, às dívidas que os bancos insistem em querer cobrar nos mesmos moldes que dantes? Há uma expectativa nesta 'baixa de preços' que tem de ser bem explicada. De resto, o que se passsa no País não é nada assim de tão novo: é só o PSD a enterrar o PSD. Faz parte da nossa História, que 'não acaba aqui'.