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Por seu lado, o The New York Times anunciou, para 2013, o lançamento de um site de língua portuguesa para o mercado brasileiro. Ainda este ano, a publicação terá uma edição online em chinês. O mesmo princípio adequa-se aos dois sites: uma mistura de artigos originais de colaboradores locais e uma série de artigos traduzidos da edição em inglês. Os motivos são obviamente económicos. O Brasil é uma economia em expansão, mas a concorrência dos media locais será feroz. Ainda assim o NYT aposta no nome bastante conhecido do jornal no Brasil, no número significativo de leitores da edição original para abrir instalações em São Paulo, a par das já existentes no Rio de Janeiro. O investimento no mercado de língua portuguesa compensa porque há consumidores. Há uma parte do mundo que está a começar a poder comprar. É bom saber que há quem possa. Ainda não é por esta zona do globo que vão conseguir vender alguma coisa.
Publicado na Tabu, Cinco Sentidos, 26-10-12
Não é verdade que o panorama da imprensa tenha mudado de um dia para o outro, mas é certo que as mudanças se tornaram evidentes num curto espaço de tempo. A crise no sector é conhecida em Portugal, mas não é exclusiva do nosso país. A revista Newsweek deixará em Janeiro de ser impressa em papel e passará a ter edição exclusiva e paga online, embora com conteúdos de acesso livre. Também o grupo que detém o Guardian pondera a hipótese de fazer o mesmo, após ter sofrido perdas no valor de 44 milhões de libras. Pode haver uma solução intermédia, que passa por disponibilizar online conteúdos diferentes dos publicados em papel. Seria uma maneira de ter o melhor dos dois mundos numa só publicação. Seria, sobretudo, uma forma de tirar os conteúdos pagos em papel da concorrência gratuita do online. Na melhor das hipóteses, o online existiria como um meio para a compra do jornal em qualquer formato. Independentemente das decisões, não esqueçamos que há soluções.
Publicado na Tabu, Cinco Sentidos, 26-10-12
Brigitte Bardot
... outra vez a dormir. Se tivesse tempo, escrevia um longo texto sobre a utilização pirosa e parva da mulher na publicidade sobre cervejas. Percebo a posição de Malomil sobre o tema, mas não concordo. A publicidade em causa é o erotismo dos pobres de espírito. E ao menos aí o strip tease é bem pago.
Já muito se disse sobre o Nobel da Paz atribuído à União Europeia. Compreendo o prémio nesta altura, em que o projecto europeu se parece estar a desfazer como um alerta da guerra que podemos vir a ter se a crise financeira e económica da Zona Euro continuar sem solução à vista. Confesso, no entanto, que tinha preferido ver o prémio a ser entregue a uma pessoa. Por exemplo, a Malala Yousafzai, uma rapariga paquistanesa de 14 anos, que, em 2009, denunciou que os talibãs proibiram o acesso das raparigas à escola. Apesar dos riscos, Malala Yousafzai continuou a ir, incentivada pelo pai e por uma pequena comunidade que não aceita as imposições criminosas dos talibãs. Há dias, à saída da escola, foi baleada na cabeça por um extremista. Está viva, mas a sua situação clínica inspira cuidados, por isso foi transferida para um hospital em Inglaterra. Malala Yousafzai não desistiu com a ameaça nem hesitou perante a injustiça. Coragem é isto.
Publicado na Tabu, Cinco Sentidos, 19-10-12
Um doido varrido chamado Felix Baumgartner atirou-se do espaço para a terra. A operação demorou cinco anos a preparar e o salto da distância de 39 mil metros não aconteceu quando era esperado. Parece que o clima não quis logo colaborar. Vi por fim o dito salto e fotografei tudo no Instagram a partir do streaming ao vivo, sentada no sofá, ao mesmo tempo atónita com a possibilidade de estar a assistir ao que poderia ser o suicídio de uma pessoa. Mas chega de falar de mim. Falemos antes da confusão instalada nos comentários online em jornais, etc., sobre a alegada ‘coragem’ do saltador austríaco. Baumgartner não é corajoso, mas antes temerário ou, prosaicamente falando, um rapaz armado em bom. Arriscou a vida para bater um recorde do mundo e cumprir um patrocínio. Os seus fins não justificam sequer uma saída de casa. Não é um herói: está só doente. Não é corajoso: é só um tolo. Há que saber distinguir para podermos reconhecer uma virtude quando a vemos.
Publicado na Tabu, Cinco Sentidos, 19-10-12
House
by Don Paterson
Better, by all in all, the god we know---
broken, drunk, in agony, at bay,
yet undistracted from the mystery
of our own suffering; and if they show
it's last, to blunder wild-eyed through the screen
with Stop the chemo! He just needs to fart!
or gently intimate it might be smart
to swap your Tolstoy for a magazine.
We too have known that three o'clock abyss
between the differential and the kiss
where a man must face the smaller man within
or remember where he stashed the Vicodin.
O let that thousand-yard-and-one-inch stare
see through us too. For we don't have a prayer.
Publicado em The New York Review of Books, 8 de Novembro de 2012.
App PictureShow com filtro BlueGel e moldura 135 Slide, sobre O Mágico, de Hieronymus Bosch, 1475-80.
Tudo começou com as "gorduras" do Estado. Não estou certa de quando apareceu a designação, mas penso que a encontraremos no período imediatamente anterior à queda de Sócrates. O Estado teria peso a mais, o que, como sabemos, é inaceitável nos dias que correm. As ditas "gorduras" nunca foram definidas, e ficámos com a ideia de que estariam concentradas. O Estado estaria naquele ponto em que a chicha passara à desagradável badochice que havia que eliminar, mas com uma dieta ligeira e uns abdominais. Afinal as "gorduras" estavam espalhadas pelo corpo do Estado, das fundações aos salários, das PPP às pensões. Estamos num ponto da metáfora em que o Estado não há meio de emagrecer.
A relação entre a gordura e a doença nunca foi admitida, mas ela está presente nas ideias dos que entretanto insistem em explicar por outras palavras o descalabro em que se encontra o país. Manuela Ferreira Leite fez há dias uma das declarações mais descaradamente femininas de que há memória no discurso político em Portugal: "Concordo que é preciso emagrecer, mas aquilo que recomendo é que as pessoas não aceitassem morrer antes de emagrecer. Morrer gordo é do pior que há, especialmente depois de se fazer uma dieta tremenda." Diria mesmo que é um desconsolo. Está uma pessoa a pão e água durante meses e afinal morre um gordo impossível de enfiar no caixão. A analogia não é diferente de outra, também da autoria de Ferreira Leite, em Junho deste ano: "Andam a matar o doente pelo tratamento em vez de o deixarmos morrer pela doença." Ou seja, a morte é uma certeza. Resta saber como vamos viver até lá. Magros, de preferência.
A acrescentar a doenças e tratamentos, assuntos sobre os quais os portugueses nunca se cansam de falar, tivemos a introdução de variantes bélicas no discurso metafórico. Com a apresentação do Orçamento do Estado para 2013, apareceram as analogias militares, com António José Seguro a esclarecer a população de que se tratava de uma "bomba atómica fiscal". Pouco depois, Bagão Félix apresentava o detalhe de se tratar de "napalm fiscal". E não gostamos do cheiro de napalm fiscal logo pela manhã... Não satisfeito com a metáfora, Bagão Félix recorreu à geologia para nos fazer tremer. O OE será um "sismo fiscal", ou, no caso de não termos percebido, um "terramoto fiscal devastador". Ainda encantado com a metáfora bélica, Jorge Sampaio deu uma entrevista em que explicou que o novo OE "rebenta com tudo", e em que repetiu a palavra "rrrrebenta" de modo a ouvirmos bem o que nos vai acontecer. E porquê parar aqui? Porque não "impostos de destruição em massa", "gaseamento dos contribuintes", "drones fiscais contra os reformados"?
Perante o descontrolo notório no uso das metáforas no discurso económico, político e astrológico em geral, recomendo uma utilização menos dramática das imagens. O economista-chefe do FMI, Olivier Blanchard, afirmou que a redução do défice fiscal "é uma maratona e não um sprint". Ah, chegámos por fim à civilização das analogias desportivas. Sigamos o Sr. Blanchard e não deixemos que Portugal veja o cartão vermelho, que os portugueses sejam apanhados nas malhas do doping, nem nas regras do fora de jogo e, sobretudo, que não baixem à quarta divisão, com a Somália ou a Etiópia ou, pior ainda, ao Inferno.
Publicado na edição de fim-de-semana do i, 20-21 de Outubro de 2012, Loja de Porcelana.
Anna Karina
... parece haver muito a dizer sobre o estado em que o País e a política se encontram, mas é mera aparência. A verdade é que desde inícios de Setembro, a única coisa que podemos fazer é repetir a expressão de desilusão profunda sobre os que governam. Falo, naturalmente, dos que tinham algumas ilusões. É uma fase esquisita, monotemática e demasiado consensual. Há dois meses que a Quadratura do Círculo, por exemplo, se tornou um programa em que António Costa faz dele as palavras de Pacheco Pereira e Lobo Xavier. Não dá.