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The Bourne Legacy (estava tudo bem até chegarem a Manila).
Estava-se mesmo a ver no que isto ia dar. É certo que a conclusão aparece a posteriori, e que assim é fácil dizer que não se esperava outra coisa. Mas a suspeita de que iríamos chegar a este ponto da conversa foi anunciada tanto pelo PSD que governa como pelo outro PSD que lhe faz oposição. As mentiras de Sócrates tinham de desaparecer para dar lugar à verdade. Nada contra. A expressão gramaticalmente desajeitada “falar verdade” era uma exortação ao governo socialista para que dissesse com clareza que não estava nada tudo bem e que, em breve, Portugal ficaria sem capacidade financeira para pagar salários, pensões, etc. Foi então que emergiu Teixeira dos Santos a desabafar. Tanto era verdade que não havia dinheiro que PS e PSD assinariam o memorando de entendimento que permitiria ao país sobreviver financeiramente durante uns anos sob certas e apertadas condições. Até aqui tudo bem.
Mas a partir daí, a política de “falar verdade” tem dado azo às declarações mais insuportáveis de que há memória. Na minha, pelo menos. À excepção de um breve parêntesis de excitação de Passos Coelho, no Pontal, quando discursou que estávamos quase, quase fora da crise, haha!, a “verdade” tem estado na boca dos que governam e dos que entretanto apareceram por aí a repetir ideias parecidas e até completamente contrárias. Esta “verdade” tem as costas largas. Esta “verdade” é óbvia, mas está apenas ao alcance dos que a propagam. Parece contraditório, mas deve ser só uma impressão. Quando António Borges insiste em dizer que “vivemos acima das nossas possibilidades” está só a mostrar o que é evidente para todos. O problema está nos que não fazem ideia do que terão feito para estarem incluídos nesta segunda pessoa do plural. É uma “verdade” esquisita esta que responsabiliza um país inteiro pelos erros cometidos por uma minoria que há anos decide em benefício das suas minorias partidárias. É uma “verdade” ofensiva, que ainda por cima não é rigorosa.
Quando Isabel Jonet vem dizer a uma entrevista ao i que se “perdeu o brio na sociedade portuguesa”, não estará a falar das muitas centenas de voluntários entusiastas do Banco Alimentar. Quando afirma noutros meios que os mais novos não são solidários e gastam demasiada água a lavar os dentes, estará a descrever pessoas que conhece, só isso. Até a generalização mais familiar tem os limites da vizinhança. Mas a verdade, assim de repente, é que depende. Nem sempre a verdade é tão feia e desagradável. Ainda há miúdos que lavam os dentes com o copo, haja esperança neste País! Acima de tudo, há que perceber que a verdade não depende de muitas e muitas opiniões coincidentes.
Mas há mais “verdades” que se espalham por aí como mentiras. A “verdade” da hecatombe da natalidade é uma delas. Como é possível sabermos que em 2030 não haverá crianças a brincar neste jardim à beira-mar plantado? Na minha bola de cristal, a vida é mais colorida. Até porque os bebés vêm com a cegonha da recuperação económica. Não é por alguém descrever um presente sombrio e sem saída e anunciar um futuro de desgraça que está a dizer a verdade. Está a dar a sua opinião, não duvido que sincera, mas que não passa disso mesmo.
Publicado na edição de fim-de-semana do i, 15-16 de Dezembro de 2012, Loja de Porcelana.