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Mulheres nuas

por Carla Hilário Quevedo, em 07.09.14
App InstaEffects com filtro Cruz sobre La maja desnuda de Francisco Goya, 1797

 

Vivendo e aprendendo, disse um dia alguém que tinha acabado de aprender uma lição, provavelmente da pior maneira, convicto de que a experiência o tornaria mais sábio. A lição esta semana surgiu sob o aspecto um acontecimento ilegal na internet e envolve uma série de fotografias de mulheres nuas. Mas não é o resultado do caso (que não está resolvido) que nos permitirá aprender alguma coisa, neste caso relativamente à maneira como as mulheres são vistas hoje em sociedades livres: é a conversa sobre o assunto.

 

Comecemos pelo princípio. Um hacker entrou sem autorização nas contas iCloud de várias celebridades de Hollywood, como Jennifer Lawrence, a cantora Rihanna ou a modelo Kate Upton, e espalhou pela rede imagens das protagonistas nuas que estavam na chamada “nuvem”, a qual julgavam segura. Além de “hackar” as contas, para roubar o que não era dele, partilhou o saque publicamente. Os crimes são tantos que quase não tenho espaço para os enumerar. No entanto, adivinhem quem foram apontadas como as maiores culpadas do roubo? As vítimas, claro. E porquê? Porque estavam nuas. Aqui saltei um passo da argumentação mas só para chegar mais depressa à verdade.

 

Ricky Gervais, criador da célebre série de televisão The Office, com seis milhões de seguidores no Twitter, escreveu o seguinte: “Celebridades, dificultem o trabalho dos hackers de roubarem fotografias de nus dos vossos computadores ao não guardarem fotografias de nus nos vossos computadores”. A reacção foi tão inesperada quanto saudável. Gervais foi bombardeado com tweets de gente para quem a propriedade era mais importante do que o moralismo. Gervais respondeu aos críticos que “era uma piada”. Mas onde estava a graça? No preconceito de ver as mulheres como culpadas dos males que lhes acontecem? Se a ideia de Gervais era expor que se culpa depressa a vítima, então não me ri porque não o conheço. Fico também a saber que não é um profissional.

 

A Apple, por sua vez, remeteu-se ao silêncio e acabou também por culpar as vítimas, mas desta vez de terem palavras-passe muito fracas. O FBI avançou na investigação e concluiu que o ataque estava a ser preparado há meses. É preciso assim tanto tempo para descobrir palavras-passe simples? Nos filmes parece que são mais rápidos. Mas talvez a iCloud não seja um sistema seguro.

 

A tese da culpa das vítimas de roubo das fotografias ganhou adeptos, mas o mais interessante foi ver a quantidade de pessoas a defender as celebridades. O que importava a todos, um roubo da iCloud, uma espécie de “armazém” fora do computador ao qual só se pode aceder com uma palavra-passe, acabou por ser realmente discutido. Se em vez de mulheres nuas, tivéssemos documentos privados, como cartas, por exemplo, não teria havido dúvidas sobre a culpabilidade do criminosos, mas assim sem roupa não parece ter tanta respeitabilidade. E, afinal de contas, uma mulher séria, que se dê ao respeito, tem as fotografias de si nua guardadas no disco externo do marido, não é?

 

Publicado na edição de fim-de-semana do i, 6/7-9-14

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publicado às 19:47

Blockbomba

por Carla Hilário Quevedo, em 07.09.14

Man of Steel (Apolo existe e é francês). The Other Woman (menos 40 minutos e seria um óptimo filme). 

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publicado às 19:39