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De que é a sopa?

por Carla Hilário Quevedo, em 20.07.15

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A silly season está ofuscada pela megacrise da Grécia, a que se junta o acordo nuclear com o Irão. São temas importantes, sérios – de Inverno. Tive esperança de por fim entrarmos naquela altura do ano em que não acontece nada (ah, saudades!) com a vinda de um Iker Casillas choroso para o FC Porto, mais a mulher que troca Madrid pelo Porto, e sobretudo os pais que não lhe falam há anos por assuntos profanos, mas que nem por isso se calam quando há uma câmara de televisão na sala. Era agora, pensava, com a mesma ingenuidade com que encaro a possibilidade de o acordo na Grécia resultar.

 

Além do mais, talvez previsivelmente, o ex-ministro da Finanças grego, Yannis Varoufákis, veio dizer que as reformas não vão resultar, o que me leva a acreditar no oposto. Sim, eram os pais de Casillas que nos iam salvar dos assuntos sérios ou simplesmente deprimentes, como é a proposta de haver consultas de aconselhamento “obrigatório” em Portugal para mulheres que decidem interromper a gravidez. Desde quando o Estado presta serviços de aconselhamento, e logo “obrigatórios”, sobre decisões pessoais? Será esta uma maneira de o Parlamento nos dizer que precisa da silly season e que foi o melhor que arranjou ou a direita achará que o voto feminino não é móvel?

 

Perante este estado de coisas, e uma vez que não podemos contar com ninguém para nos oferecer a silly season que merecemos, sugiro que ocupemos a nossa mente apenas com aquilo que realmente nos interessa. Mas o que será isso afinal? Será que o sabemos reconhecer? Segundo um teste credível realizado no Facebook, a minha cabeça está dividida entre McDonald’s e sushi, o que me causou grande perplexidade. Nunca entrei num McDonald’s, não conheço os Big Macs nem as sobremesas, e se calhar por isso tenha essa falha tão presente no córtex frontal. Também não sabia que o sushi tinha uma presença tão forte na minha cabeça e o espanto levou-me a colocar a hipótese de o teste me estar a querer dizer outras coisas e não aquelas que pareciam evidentes. McDonald’s e sushi podem ser metáforas respectivamente para carne e peixe, pobreza e riqueza, Ocidente e Oriente, masculino e feminino, Grécia e Roma, porque não? Os resultados são a nossa interpretação dos resultados. Porém, há que lembrar, nas velhas e sábias palavras de Sigmund Freud, que por vezes McDonald’s é só McDonald’s.    

 

Saber que a minha cabeça (no Verão) é povoada por hambúrgueres e peixe cru não me ofende mas há um elemento gastronómico que falta incluir: a sopa. Introduz liquidez numa dieta de sólidos, além dos legumes indispensáveis à boa saúde. É a sopa que traz a surpresa a uma cabeça dicotómica; é a sopa que contrasta com a previsibilidade da carne e do peixe. É ela que traz a incerteza, a antecipação e a inevitável pergunta: e hoje, de que é a sopa? Esta ansiedade de conhecimento só poderá ser ultrapassada por outra, desta vez sobre doces e, se tiver de ser, fruta: que sobremesas tem? É no final que aparecem as dúvidas sobre o que escolher naquele dia e o que podemos arriscar ficar para o seguinte. É nessa altura que a silly season acaba.  

 

Publicado na edição de hoje do i.

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publicado às 19:52