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Diário invernoso (4)

por Carla Hilário Quevedo, em 21.01.18

- Cada vez vejo menos televisão e menos filmes. Vejo séries e, mesmo assim, com um critério de exigência elevadíssimo. A má ficção irrita-me, por isso se nos primeiros 10-15 minutos houver alguma coisa que não me agrade (e em 95% dos casos vê-se logo que a série é má), abandono sem piedade. O tempo é escasso, a oferta é abundante e há muita coisa excelente para ver. Uma série com dez episódios representa pelo menos nove horas de vida. É imenso!

- Com os filmes, sou ainda mais impaciente. Para mim, ver um filme é um hábito caído em desuso. Por isso, não estou atenta ao que está em cartaz. De vez em quando dou uma volta pelo videoclube ou sigo um conselho mais entusiasmado de alguém que partilha da minha impaciência.

- Foi o que aconteceu com Turist, de 2014. A partir daqui vou spoilar um bocadinho, por isso recomendo a quem não viu o filme que mude de canal. Há tantos aspectos interessantes nesta história que nem sei por onde começar. Compreendi a mulher, que não perdoa a cobardia do marido, fala abertamente sobre a sua desilusão, e que sofre com a descoberta de uma falha tão profunda e relevante. Não fui compreensiva com a solução que deu ao problema, inventando um desaparecimento, para "confirmar" se o marido teria tido um momento mau ou se arriscaria deixar os filhos sozinhos no meio do nevoeiro para ir em seu socorro. O problema é complexo e fascinante. A mulher inventa um teste para o marido ser aprovado com distinção. Provavelmente, ela precisa daquela história para criar a dúvida depois de saber a verdade. Curiosamente, ele também.   

-  The Good Fight é o spin-off prometido de The Good Wife. Muito boa primeira temporada, bem escrita e bem interpretada. Como se fosse pouco, tem o genérico mais feminino de sempre. 

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publicado às 09:55

Diário invernoso (3)

por Carla Hilário Quevedo, em 07.01.18

- Este ano decidi não revelar as minhas resoluções a ninguém. Não sou muito de falar sobre o que vou fazer (mesmo a lista do ano passado dizia tão pouco para o que era), mas ao longo do tempo tenho adquirido uma espécie de superstição relativamente à partilha (online ou ao vivo). Partilhar pode trazer felicidade a quem se sente na obrigação de pertencer a um grupo. Não há nada de errado nisto, mas também não há nada de errado em simplesmente viver sem estar sempre a relatar o que se faz (um hábito que se tornou sinistro dos dias de hoje). A ideia de não haver vida porque não há registos dessa vida (o caso clássico da pessoa que "não está nas redes sociais") faz-me pensar em várias coisas que me interessam e que, por isso mesmo, não quero partilhar. 

- Durante o Verão, a PSP costuma alertar as pessoas para não publicarem fotos de férias para depois não terem a surpresa desagradável de regressar a uma casa que foi assaltada, mas mesmo assim continua a haver demasiada informação a circular nas redes sociais que é dada pelos próprios. 

- Não fico aborrecida quando não acertam numa descrição sobre mim. Fico aliviada porque percebo que quem me descreveu não sabe nem percebeu nada. Quem sabe o que é ser livre percebe o que quero dizer com isto.

- As consequências desta imensa vontade de partilhar, ser visto, ser amado, ser falado, até de ser descrito por desconhecidos com a maior precisão e justiça possíveis estão bem expressas na última temporada de Black Mirror. Há dois episódios em que está prevista a possiblidade de salvação, dirigindo uma nave espacial num jogo em direcção a um wormhole no exacto momento da actualização ou arriscando a fuga de um sistema de pesadelo de Tinder, que interpreta precipitações como erros merecedores de castigo, impedindo a união de casais apaixonados. Em ambos os casos, fugir é a solução. Fugir da tecnologia, escapar da cabeça dos outros, dos sistemas dos outros.

- O primeiro e o quarto episódios são optimistas. Mas o melhor da temporada é o terceiro. Sufocante, delirante e com um final imprevisível, mas acertado. Quando houver um mecanismo capaz de extrair as nossas memórias, a humanidade saberá que os animais não são assim tão diferentes de nós.

 

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publicado às 11:25