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Diário da pandemia (17)

por Carla Hilário Quevedo, em 17.04.20

- Não percebo muito bem o que se pretende quando se diz que "há que voltar à normalidade". Se por essa normalidade se entende sair de casa e ir trabalhar, pois com certeza que sim, há que voltar. Se por essa normalidade se entende que as crianças e os adolescentes e os universitários voltem à escola, pois com certeza que sim. Mas se por normalidade entendemos que devemos esquecer o modo como as pessoas se comportaram durante esta fase difícil para todos, a cobardia que revelaram com o seu pânico, as secas moralistas que nos obrigaram a suportar em telejornais, as opiniões sobre a necessidade "patriótica" do silêncio, só para referir alguns exemplos, pois aí nada poderá regressar à "normalidade". Não podemos deixar de ver aquilo que nos foi revelado. Resta saber como vamos passar a agir perante tanta informação nova - ou que passou a ser impossível de ignorar.

- Entretanto, julgo que percebi por que razão a indignação, de um modo geral, me irrita. A maioria dos indignados, além de estar mais a falar sozinha do que a partilhar a sua frustração (que seria apenas humano), não está interessada em chegar a conclusões. Se me indigno com x+y+z então hei-de chegar a algum lado e mudar a minha conduta, como deixar de assistir a, de ler, de falar com, nos casos mais drásticos. Mas depois como é que o indignado sobrevivia?

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publicado às 08:14

Diário da pandemia (16)

por Carla Hilário Quevedo, em 14.04.20

- Tenho sonhado imenso; sonhos confusos e atribulados. Ainda hoje sonhei que uma amiga abria um bar no meio de um descampado e andávamos quilómetros até lá chegar. O mais estranho: sonhei com uma pessoa com quem não falava há meses e que horas mais tarde me escreveu. Há coincidências engraçadas, mas nunca podemos dizer tudo, não é? "Que divertido! Ainda há pouco apareceu-me num sonho movimentado." Como se sonhar com alguém fosse mau. Ou bom.

- Entretanto, o maradona anda obcecado com uma pianista chinesa fantástica chamada Yuja Wang. A Isabel Castro Silva já tinha chamado a atenção para esta rapariga talentosa num grupo engraçadíssimo a que pertenço no Facebook chamado Feministas HISTÉRICAS, assim todo em maiúsculas para se ouvir melhor. O nome tem a história que se imagina. Era uma vez um patarata a dizer palermices sobre "as mulheres" e apareceu-lhe a Isabel nos comentários a dar uma resposta, como se costuma dizer, épica. Nasceu o grupo e sou da opinião que deveria nascer mais algma coisa. Mas do que eu gosto é de dar ideias para outros terem o trabalho de concretizar. Voltando à Yuja Wang, é sempre uma maravilha ver alguém - mulher ou homem, na verdade - a fazer o que quer, vestida como lhe apetece. Mais sexy do que ser genial e livre não há.

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publicado às 08:52

Diário da pandemia (15)

por Carla Hilário Quevedo, em 10.04.20

- De um dia para o outro, tive de pensar noutros assuntos. Mas não seria incompatível escrever um diário num blogue e pensar noutros assuntos. Arranjamos sempre desculpas para coisas sobre as quais não há culpa. É um caminho fácil e até um pouco vaidoso: "teria feito y se não tivesse x". Mas é falso. Fiquei com preguiça de vir aqui escrever, é só isso. 

- Li um artigo partilhado no Twitter sobre não haver provas científicas de que o vírus é transmitido em supermercados, restaurantes e cabeleireiros. Quem o disse foi um virologista alemão chamado Hendrik Streeck, baseado em experiências realizadas em Heisenberg, o epicentro do surto de Covid-19 na Alemanha. “There is no significant risk of catching the disease when you go shopping. Severe outbreaks of the infection were always a result of people being closer together over a longer period of time, for example the après-ski parties in Ischgl, Austria.” He could also not find any evidence of ‘living’ viruses on surfaces. “When we took samples from door handles, phones or toilets it has not been possible to cultivate the virus in the laboratory on the basis of these swabs". O virologista (que não é de sofá) diz ainda: “To actually 'get' the virus it would be necessary that someone coughs into their hand, immediately touches a door knob and then straight after that another person grasps the handle and goes on to touches their face.” Streeck therefore believes that there is little chance of transmission through contact with so-called contaminated surfaces." Não digo que não devemos ter cuidado, como é evidente, mas uma das coisas que mais confusão me fazia era esta questão da permanência do vírus nas diferentes superfícies, que diziam ser de horas e até dias. As medidas de isolamento social e lavar as mãos são eficazes. Já o resto... 

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publicado às 10:19

Diário da pandemia (14)

por Carla Hilário Quevedo, em 03.04.20

- Ainda não vi a entrevista completa a Ramalho Eanes, mas pareceu-me claro pelo que vi que de maneira nenhuma estava a sugerir que os velhos se deviam sacrificar pelos novos. Nenhuma vida tem mais valor do que a outra. Simplesmente, há pessoas que fariam coisas que outras nunca pensariam sequer. E isso não é diferente do que acontece todos os dias. 

- Irrita-me imenso que estejamos nesta altura do campeonato pandémico ainda a discutir se usar máscara é bom ou não. No fim disto tudo, a OMS e a própria DGS devem ser responsabilizadas por persistirem neste debate que não é útil. E, por falar em máscaras, isto é engraçado. 

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The Fearless Girl statue outside the New York Stock Exchange, Nova Iorque, 2020.

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publicado às 09:45

Diário da pandemia (13)

por Carla Hilário Quevedo, em 02.04.20

- Nunca pensei celebrar um aniversário em plena pandemia. O bomba inteligente faz hoje, gasp!, 17 anos.

- Leio o decreto de Marcelo Rebelo de Sousa e fico assustada. Confesso que não tenho tanto medo do vírus como da crise económica terrível que já é uma realidade no nosso País. A política paralisou perante os números. Só a palavra "contágio" mete medo, mas o que é certo é que não sabemos a taxa de letalidade do vírus, porque desconhecemos por completo (e nunca saberemos) o número real de infectados. Só conhecemos os números de infectados testados positivo, e isto faz toda a diferença. Compreendo que certas medidas apertem com a aproximação das férias da Páscoa, mas custa-me muito não ouvir nenhuma voz discordante deste caminho imposto da quarentena contínua, sem alternativa. Quanto custaria ao País testar pelo menos a população activa? Custaria mais aos países testar, isolar e tratar toda a população ou fechar dois ou três meses? São perguntas sinceras.

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publicado às 11:25

Diário da pandemia (12)

por Carla Hilário Quevedo, em 01.04.20

- Como é que não me lembrei da tuberculose, do bacilo de Koch, que matou que se fartou até Koch o descobrir? Claro que se pode ficar imune a uma bactéria e assim se confirma que a "empatia" descrita por Tucídides dos recuperados com os doentes, por terem passado pelo mesmo, nada mais era do que imunidade. Porém, esta interpretação não faz de Tucídides estúpido. Os gregos conheciam bem a anatomia. Hipócrates conhecia as veias, as artérias, o coração, segundo me contou o especialista numa consulta altamente produtiva ao telefone. Mas a Medicina, até chegar ao conhecimento do tratamento e da prevenção das doenças, demorou muitos séculos. Não imagino o que seria as pessoas adoecerem e morrerem sem se perceber minimamente o que tinham, sem se saber nada sobre o que estava a acontecer. Só isto é terrível.

"Mas foi febre tifóide ou tifo? Era uma salmonela ou um piolho?", perguntou.

"Era uma salmonela, Pai. Descobriram em 2016, não sei como. Seria qualquer coisa na água?"

"O piolho é que havia muito na guerra. Mas, sim, na água. Uma bactéria intestinal que se transmite pelos alimentos, está na terra, nas folhas e em tudo. O Péricles é que morreu numa peste."

"Foi nesta, Pai. Ele e uns quantos milhares de soldados. Ficaram sem exército para combater Esparta."

"Então foram derrotados pela doença!"

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publicado às 13:32