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- De um dia para o outro, tive de pensar noutros assuntos. Mas não seria incompatível escrever um diário num blogue e pensar noutros assuntos. Arranjamos sempre desculpas para coisas sobre as quais não há culpa. É um caminho fácil e até um pouco vaidoso: "teria feito y se não tivesse x". Mas é falso. Fiquei com preguiça de vir aqui escrever, é só isso.
- Li um artigo partilhado no Twitter sobre não haver provas científicas de que o vírus é transmitido em supermercados, restaurantes e cabeleireiros. Quem o disse foi um virologista alemão chamado Hendrik Streeck, baseado em experiências realizadas em Heisenberg, o epicentro do surto de Covid-19 na Alemanha. “There is no significant risk of catching the disease when you go shopping. Severe outbreaks of the infection were always a result of people being closer together over a longer period of time, for example the après-ski parties in Ischgl, Austria.” He could also not find any evidence of ‘living’ viruses on surfaces. “When we took samples from door handles, phones or toilets it has not been possible to cultivate the virus in the laboratory on the basis of these swabs". O virologista (que não é de sofá) diz ainda: “To actually 'get' the virus it would be necessary that someone coughs into their hand, immediately touches a door knob and then straight after that another person grasps the handle and goes on to touches their face.” Streeck therefore believes that there is little chance of transmission through contact with so-called contaminated surfaces." Não digo que não devemos ter cuidado, como é evidente, mas uma das coisas que mais confusão me fazia era esta questão da permanência do vírus nas diferentes superfícies, que diziam ser de horas e até dias. As medidas de isolamento social e lavar as mãos são eficazes. Já o resto...
- Faço parte daquele grupo de pessoas que não precisa de ser aconselhado a ficar em casa. O isolamento social, o distanciamento social, nada disso me assusta nem perturba. Mas fora este aspecto que muitos vêem como um convite ao tédio, tenho as mesmas preocupações do que toda a gente. Ontem experimentei uma delas, porque achei que era a minha vez de ir ao supermercado. Lá me pus a caminho, cinco minutos a pé em ruas estreitas onde nunca vejo gente. Passaram três rapazes, calados e afastados uns dos outros, um homem a correr, uma mulher parada no meio da estrada a olhar fixamente para o telemóvel. Entrei no centro comercial, com as luzes meio apagadas. As portas já estavam abertas para evitar serem empurradas com o pé. À entrada, ninguém a não ser um cheiro intenso a álcool. Todas as lojas estavam fechadas com o estore corrido para baixo, algumas ainda com avisos colados nas montras que não conseguia ler. Era como se tivesse entrado no centro às cinco da manhã, se alguma vez foi possível fazê-lo. Ao fundo, poucas pessoas, mas demasiado juntas numa fila para entrar no supermercado. Lá dentro, o silêncio dos zombies a pesar fruta para enganar o tempo. Não, o inferno não é estar em casa. O inferno é ver a desgraça instalada de um dia para o outro. Se calhar esteve lá sempre, à espera de um acontecimento súbito e avassalador que nos mostrasse afinal como é.